
Coluna Temas da Vida com Djenane Mendonça – Sobre a gentileza
“Ensinamento
Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo:
“Coitado, até essa hora no serviço pesado”.
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não falou em amor. Essa palavra de luxo.” Adélia Prado
Sempre que me deparo com esse poema da poetiza mineira Adélia Prado, penso que as mais significativas atitudes de gentileza se evidenciam em delicada discrição. Se materializam no gesto que situa sem alardes aquele que a recebe em sua dignidade humana.
A gentileza posta a serviço das aparências perde sua seiva de virtude.
Foto: Divulgação
Outro dia, em visita a uma amiga que convalescia de uma cirurgia, encontrei sua vizinha saindo discretamente do apartamento. A amiga me contou que esta moça, quando soube que ela estava se recuperando e morava só, passou a vir visitá-la todos os dias, quando chegava do trabalho, com uma refeição, pão fresco. Jantava com ela, conversavam enquanto organizava a cozinha. Havia uma enfermeira contratada para cuidar, mas aquela visita com uma sopinha no final da tarde, era um carinho inestimável que minha amiga recebia.
Voltei para casa pensando com meus botões: o que antecede o gesto de gentileza é o sentimento de humanidade compartilhada. Eu vejo você, eu reconheço em seu trajeto existencial, as ruas pelas quais já passei, que talvez esteja passando ou que poderia vir a atravessar. Esse espelhamento amplia a capacidade de sentir o lugar do outro.
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Será que podemos exercitar a gentileza?
Vivemos hoje tão fragmentados, compartimentados em nosso estilo de vida egocentrado, que estamos perdendo a capacidade de olhar compassivamente para os que compartilham a existência conosco, seja na esfera íntima da família, seja no contexto social.
Presos em nossas conchas de individualismo, perdemos o necessário senso de comunidade do qual tanto necessitamos para nos desenvolver como pessoa.
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Talvez essa seja uma das razões do elevado número de ansiosos e depressivos de nossos dias. O afeto, a neurociência vem demonstrando, estimula o bom funcionamento neuroquímico do cérebro. A vida é uma ciranda, é necessário oferecer as mãos para girar vivendo a vida que devemos viver.
Nessa dança de roda, é preciso, porém, uma conexão prévia com a própria existência para enxergar o espaço da gentileza na vida do outro. Quanto conseguimos dar conta da nossa própria vulnerabilidade, enxergamos o outro.
Foto: Divulgação
E então a gentileza surge, emerge como flor no asfalto.
SERVIÇO
Djenane Mendonça
Psicóloga Clinica Analítica
@djenanemendoncapsi
Email:almapsicologiajunguiana@gmail.com

